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Artigo: Mauro Bomfim: DESNUDANDO O VETO DA SUDENE PARA O LESTE DE MINAS

                                               Mauro Bomfim

No jargão do processo legislativo, PLC significa Projeto de Lei Complementar, a segunda norma legal em importância na pirâmide do clássico Hans Kelsen, somente sendo superada pela Constituição Federal.

Sendo lei complementar federal é a chamada lei de territorialidade nacional.

Tramitando nas duas Casas do Congresso – Câmara e Senado-, foi aprovado o PLC 148/2017, que na Câmara recebeu o número PLC 125, incluindo 81 municípios do Estado de Minas Gerais, localizados no Vale do Rio Doce, na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

O Projeto de lei do Congresso, não se sabe atendendo a quais interesses inconfessáveis, fez um contorcionismo digno do Cirque Du Soleil para não incluir Caratinga na relação dos contemplados. Uma solução desgraçadamente inaceitável. Na lista dos 81, na linha divisória territorial, estão incluídos, Inhapim, São Domingos das Dores, São Sebastião do Anta, Imbé de Minas, Ubaporanga, Piedade, Santa Rita de Minas e Santa Bárbara do Leste.

Por que excluir Caratinga?  Fala Carraro, fala Carraro !

Será que a histórica Caratinga está a padecer daquele destino preconizado pelo notável intelectual Carlos de Laet ao clamar a presença de Minas no cenário nacional?

“Estrela brilhante do Sul, formosa Província de Caratinga, porque desmaias no azul da nossa Pátria, quando ela precisa que cintiles com toda tua pureza antiga? […] Tu que tiveste por largo tempo a primazia no paço dos césares e nos comícios do povo, por que aniquilas, na indiferença e no desânimo?”.

 Luta iniciada desde 2004 e reforçada com o lançamento da “Carta de Aimorés”, no Plenário da Câmara daquela cidade em 2007, evento do qual o autor destas notas participou e depois pude entregar pessoalmente ao então Vice-Presidente da República, José Alencar, que Caratinga adotou vindo de Muriaé, o histórico documento defendendo mais incentivos fiscais e tributários e novos investimentos para municípios com Índice de Desenvolvimento Humano-IDH, medido pelas Nações Unidas, tão iguais aos daqueles situados nas regiões Norte, Jequitinhonha e Mucuri e que já são integrantes da área da SUDENE.

Frustração geral. Até mesmo espanto, choro e ranger de dentes de milhares de moradores do Vale do Rio Doce, com toda razão.

A matéria foi aprovada na Câmara e Senado, encaminhado ao Senhor Presidente da República para ser sancionada e lamentavelmente, por meio da Mensagem nº 288, de 22 de junho de 2020, o Projeto de Lei Complementar 148 foi integralmente vetado, por orientação do Ministério da Economia.

Neste artigo apresento, em síntese apertada, o contraponto a cada um dos argumentos utilizados para justificar o Veto Presidencial:

Primeiro ponto:  Argumento da inconstitucionalidade do projeto.

Está absolutamente dissociado do texto legal da proposição.

Não foi apontado nas razões do Veto nenhum dispositivo da Constituição Federal que tenha sido contrariado ou violado direta e frontalmente pelo Projeto de Lei Complementar 148. Foi mencionada apenas e tão somente a EC 95/2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal, mas não se existe, nas razões do Veto Presidencial, o indispensável controle analítico revelador da alegada inconstitucionalidade.

Pretendeu o Chefe do Executivo Nacional, sob os auspícios do Ministério da Economia, exercer o chamado o controle de constitucionalidade prévio ou preventivo, antes do projeto de lei transformar-se em lei.

É a modalidade de veto jurídico, que demanda análise de seu aspecto formal, ou seja, algum vício na tramitação do projeto legislativo.

Não há uma linha sequer acerca de violação a qualquer etapa de tramitação do PLC 148 nas duas Casas do Congresso Nacional, portanto inexiste espaço para inconstitucionalidade da proposição (veto jurídico por violação ao aspecto formal do processo legislativo, que, de resto, está previsto nos artigos 59 e 69, da Constituição Federal.

Logo, o primeiro argumento esbarra na lição do jusfilósofo polonês Perelman, para o qual os esquemas argumentativos, que nada mais são que lugares da argumentação “se caracterizam por processos de ligação e de dissociação.”.

Forçoso concluir que não basta alegar inconstitucionalidade no veto jurídico. É preciso associar o argumento lógico à concretude de um apontado dispositivo constitucional que tenha sido violado ou contrariado. É a velha lição da Suprema Corte Brasileira: a inconstitucionalidade há de ser direta e frontal, e não por via oblíqua ou reflexa, como no caso do presente Veto Presidencial.

Com o polonês Perelman é possível afirmar que estamos diante de um argumento quase-lógico. Este possui determinada força de convicção, mas é desprovido de qualquer valor conclusivo. É da relação de associação e contiguidade que estes mantêm com o argumento convincente que surge o poder de convencimento destes argumentos.

Assim, entendemos, modestamente, que deve ser rechaçada a primeira argumentação do Veto Presidencial. E nem se invoque a EC 95, de 2016, que acrescenta os artigos 106 a 114 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para criar um Novo Regime Fiscal, que irá vigorar por 20 anos a partir de 2016, ou seja, até 2036.

Só que esses dispositivos constitucionais da EC 95 impõem limites de despesas primárias aos Poderes da União. Daí nada tem a ver com inconstitucionalidade do ponto de vista formal, ao nosso sentir.

Isso porque não se trata de criação de despesa obrigatória, de concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária, bem como de adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, que foram vedados na EC 95, exatamente porque os 81 municípios de Minas Gerais inseridos na área da SUDENE, na forma do PLC 148 serão contemplados com os mesmos recursos que já compõem as receitas dos dois Fundos da SUDENE, ou seja, o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), sendo que para esse último o próprio Governo Federal já disponibilizou recentemente, para enfrentamento da crise econômica e financeira provocada pela Pandemia da COVID 19, mais R$ 3 bilhões de reais em recursos para capital de giro e recursos para investimentos, com taxas de 2,5% para as empresas situadas na área da SUDENE e abrangidas pelos dois Fundos.

É, pois, incongruente e dissociado do argumento lógico ou quase-lógico mencionar concessão ou ampliação ou incentivo de natureza tributária: a uma, porque não se trata de benefício tributário e sim de incentivo fiscal; a duas, porque o bolo dos Fundos é finito, ou seja, seu montante será rateado entre os municípios que já compõem a área da SUDENE e os novos que ingressarão em sua área de abrangência.

Logo, não procede ao argumento do Veto Presidencial de alegada ocorrência de “aumento de despesas primárias ao ampliar a área de atuação da referida Superintendência”.

Segundo ponto: Contrariedade ao interesse público (aspecto material-veto político).

É possível afirmar que um dispositivo legal só é válido quando se conecta diretamente a um (ou um conjunto de) direito fundamental, assegurando, assim, sua efetivação. Logo, o fundamento material de validade de qualquer norma infraconstitucional é sua capacidade de conferir proteção/efetividade a algum direito fundamental que, por seu turno, funciona como seu alicerce e fonte de vida, conforme acatada lição do professor e jurista italiano Luigi Ferrajoli.

O artigo 113 do ADCT inserido pela EC 95/2016, exige que “a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”

A inclusão de mais 81 municípios da região do Rio Doce na área da SUDENE:

a)Não acarreta aumento de despesas primárias;

b)a ampliação da área de atuação da referida Superintendência será contemplada com as mesmas receitas de Fundos já existentes;

c) quanto à necessidade de “estimativa do impacto orçamentário-financeiro e a memória de cálculo utilizada para a previsão das despesas a serem geradas com a inclusão de mais de oitenta Municípios àquela área”, o art. 165, §6º da CF/1988 determina que tal obrigação é do Poder Executivo, e jamais do Congresso Nacional;

d) ora, ainda que se invoque o disposto no art. 113 do ADCT, segundo o qual a proposição legislativa que amplia que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita – o que não é o caso do PLC 148 – deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, é de uma claridade solar que o dever de realizar as estimativas é do Poder Executivo, eis que é materialmente impossível ao Legislativo, conforme indaga o eminente professor de Direito Econômico e Economia Política, José Maria Arruda de Andrade: “elaborar estimativas que dependem de informações sensíveis — quando não sigilosas — e conjugá-las com a grade de parâmetros macroeconômicos que prevê a economia do país para o ano seguinte e que também é produzida pelo Ministério da Economia?”.

e)não há renúncia de receita e muito menos aumento de renúncia de receita, e, portanto, o PLC 148 não está em desconformidade com o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, como afirma o Veto Presidencial, eis que se trata de incentivos fiscais e tributários, não se cogitando de nenhuma anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições;

f) igualmente, não havendo renúncia de receita, não há necessidade, como invocado nas írritas e insubsistentes razões do Veto, de apresentar “a estimativa da renúncia para o ano em curso e para os dois anos subsequentes, além da estimativa de receita constante da Lei Orçamentária Anual, na forma prevista no art. 12 da Lei Complementar nº 101, de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal”;

g) é óbvio que à luz do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal a apresentação de medidas compensatórias necessárias somente se exigiria em caso de renúncia de receita (anistia, remissão, redução de alíquota, etc.), que, conforme foi dito alhures, não se aplica ao caso do projeto de lei em tela.

                        Com a palavra o Congresso Nacional, que de acordo com o § 4º do artigo 66, da Constituição, tem até o dia 04 de agosto para derrubar ou manter o Veto Presidencial.

Mauro Bomfim – advogado, jornalista e escritor.

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